Função multiplicativa

O conceito de função multiplicativa tem importância capital no desenvolvimento da teoria algébrica dos números, como o produto de Dirichlet, e na teoria analítica dos números, como nas séries de Dirichlet. Para avaliação de uma função multiplicativa basta conhecer seus valores em potências de primos.[1]

Definição

Uma função aritmética é uma função matemática cujo domínio de definição compreende os números inteiros positivos, isto é, os números naturais. Uma função aritmética não nula f {\displaystyle f} é chamada de multiplicativa se


f ( m n ) = f ( m ) f ( n ) {\displaystyle f(mn)=f(m)f(n)}


para todo par m e n de primos relativos (tais que mdc(m,n) = 1).[2][Nota 1]


Uma função aritmética é denominada completamente multiplicativa quando a relação f ( m n ) = f ( m ) f ( n ) {\displaystyle f(mn)=f(m)f(n)} é válida para quaisquer naturais m e n. [2] Sendo este o caso, então, por exemplo, tem-se f {\displaystyle f} 2(n) = f {\displaystyle f} (n2).


Exemplos triviais

  • A função 1 {\displaystyle 1} (n) = 1 para todo número natural n, é uma função completamente multiplicativa. De fato, dados naturais a e b quaisquer, tem-se 1 {\displaystyle 1} (ab) = 1 = 1 · 1 = 1 {\displaystyle 1} (a 1 {\displaystyle 1} (b).


  • A função f {\displaystyle f} (n) = c para todo natural n, em que c é uma constante diferente da unidade, não é multiplicativa. Dessa maneira, verifica-se facilmente que f {\displaystyle f} (6) = cc2 = f {\displaystyle f} (2)· f {\displaystyle f} (3).


  • A função identidade I D {\displaystyle I_{D}} (n) = n é completamente multiplicativa, pois se n = ab, com a e b naturais quaisquer, então I D {\displaystyle I_{D}} (n) = n = ab = I D {\displaystyle I_{D}} (a I D {\displaystyle I_{D}} (b).


Exemplos não triviais

  • A função totiente de Euler φ {\displaystyle \varphi } (n) é uma função multiplicativa.[1][2] Entretanto φ {\displaystyle \varphi } não é uma função completamente multiplicativa: dado um primo p arbitrário, φ {\displaystyle \varphi } (p2) = p(p - 1) ≠ (p - 1)2 = φ {\displaystyle \varphi } (p φ {\displaystyle \varphi } (p).


  • A função divisor σ {\displaystyle \sigma } k(n) também é função multiplicativa,[1][2] mas não é completamente multiplicativa já que, por exemplo, para um primo p constata-se que σ {\displaystyle \sigma } (p2) = 1 + p + p2 ≠ 1 + 2p + p2 = (1 + p)(1 + p) = σ {\displaystyle \sigma } (p σ {\displaystyle \sigma } (p).


  • A função número de divisores D(n) é multiplicativa[2] (não poderia ser diferente, dado que D(n) = σ {\displaystyle \sigma } 0(n), que é multiplicativa conforme o exemplo anterior). É fácil ver que D(n) não é completamente multiplicativa: D(2) = 2, D(4) = 3 e D(2)·D(2) ≠ D(4).

Teoremas

Teorema 1

Se f {\displaystyle f} é uma função multiplicativa então    F ( n ) = d | n f ( d ) {\displaystyle F(n)=\sum _{d|n}f(d)}    também é uma função multiplicativa.

Demonstração[1]

Uma vez que todo divisor de mn pode ser expresso de modo único por meio do produto d1·d2, tal que d1|m e d2|n, com d1 e d2 relativamente primos, e como, por hipótese, f {\displaystyle f} é multiplicativa, segue que


  F ( m n ) = d | m n f ( d ) = d 1 d 2 | m n f ( d 1 d 2 ) = d 1 | m d 2 | n f ( d 1 ) f ( d 2 ) = d 1 | m d 2 | n f ( d 1 ) f ( d 2 ) = d 1 | m f ( d 1 ) d 2 | n f ( d 2 ) = F ( m ) F ( n ) {\displaystyle {\begin{aligned}\ F(mn)&=\sum _{d|mn}f(d)\\&=\sum _{d_{1}d_{2}|mn}f(d_{1}d_{2})\\&=\sum _{\begin{matrix}^{d_{1}|m}\\^{d_{2}|n}\end{matrix}}f(d_{1})f(d_{2})\\&=\sum _{d_{1}|m}\sum _{d_{2}|n}f(d_{1})f(d_{2})\\&=\sum _{d_{1}|m}f(d_{1})\sum _{d_{2}|n}f(d_{2})\\&=F(m)F(n)\end{aligned}}}


Como aplicação do teorema, pode-se provar que a função σ {\displaystyle \sigma } é multiplicativa (a extensão da prova para σ {\displaystyle \sigma } k com k qualquer não é complexa): definindo f {\displaystyle f} como a função identidade, então (como já visto nos exemplos triviais acima) f {\displaystyle f} é multiplicativa e segundo o teorema é também multiplicativa a função


F ( n ) = d | n f ( d ) = d | n I d ( d ) = d | n d = σ ( n ) {\displaystyle F(n)=\sum _{d|n}f(d)=\sum _{d|n}Id(d)=\sum _{d|n}d=\sigma (n)}


O caso σ {\displaystyle \sigma } 0(n) = τ {\displaystyle \tau } (n) também é simples: toma-se f {\displaystyle f} (d) = 1 para todo divisor d de n e então


F ( n ) = d | n f ( d ) = d | n 1 ( d ) = d | n 1 = d | n d 0 = σ 0 ( n ) = τ ( n ) {\displaystyle F(n)=\sum _{d|n}f(d)=\sum _{d|n}1(d)=\sum _{d|n}1=\sum _{d|n}d^{0}=\sigma _{0}(n)=\tau (n)}


Teorema 2

Se   f : N R + {\displaystyle f:\mathbb {N} \rightarrow \mathbb {R} _{+}}   é uma função completamente multiplicativa e monótona então existe   x R + {\displaystyle x\in \mathbb {R} _{+}}   tal que   f ( n ) = n x {\displaystyle f(n)=n^{x}} .

Demonstração[3]

Como f {\displaystyle f} é por hipótese monótona, suponha f {\displaystyle f} estritamente crescente (caso contrário, considere f 1 {\displaystyle f^{-1}} ). Seja x = log 2 f ( 2 ) {\displaystyle x=\log _{2}f(2)} . Logo f ( n ) = n x {\displaystyle f(n)=n^{x}} . Assim, para todo natural m tem-se


2 m log 2 n 2 n < 2 m log 2 n 2 x m log 2 n ( f ( n ) ) m < 2 x m log 2 n 2 x m log 2 n m f ( n ) < 2 x m log 2 n m {\displaystyle 2^{\lfloor m\log _{2}n\rfloor }\leq 2^{n}<2^{\lceil m\log _{2}n\rceil }\Rightarrow 2^{x\lfloor m\log _{2}n\rfloor }\leq \left(f(n)\right)^{m}<2^{x\lceil m\log _{2}n\rceil }\Rightarrow 2^{\frac {x\lfloor m\log _{2}n\rfloor }{m}}\leq f(n)<2^{\frac {x\lceil m\log _{2}n\rceil }{m}}}


em que {\displaystyle \lfloor \cdot \rfloor } e {\displaystyle \lceil \cdot \rceil } são respectivamente a função chão e a função teto. Além disso, como


lim m x m log 2 n m = lim m x m log 2 n m = x log 2 n {\displaystyle \lim _{m\to \infty }{\frac {x\lfloor m\log _{2}n\rfloor }{m}}=\lim _{m\to \infty }{\frac {x\lceil m\log _{2}n\rceil }{m}}=x\log _{2}n} ,


segue finalmente que


f ( n ) = 2 x log 2 n = n x {\displaystyle f(n)=2^{x\log _{2}n}=n^{x}} .

Notas e referências

Notas

  1. No texto Applied Abstract Algebra, a função é definida com domínio no conjunto dos números naturais e contradomínio no conjunto dos números complexos, porém o conceito pode ser generalizado para funções com domínio no conjunto dos números inteiros e contradomínio em qualquer grupo multiplicativo, como por exemplo um conjunto de matrizes.

Referências

  1. a b c d Santos, José P. de O.; Coleção Matemática Universitária: Introdução à Teoria dos Números, Rio de Janeiro: IMPA, 2006
  2. a b c d e Nikos Drakos e Ross Moore, Applied Abstract Algebra, Multiplicative Functions [em linha] Arquivado em 22 de setembro de 2010, no Wayback Machine.
  3. Martinez, Fabio B., et al; Projeto Euclides: Teoria dos Números - um passeio com primos e outros números familiares pelo mundo inteiro, Rio de Janeiro: IMPA, 2010

Ligações Externas

  • [Multiplicative Function] (em inglês). Weisstein, Eric W. "Multiplicative Function." From MathWorld--A Wolfram Web Resource.
  • [Completely Multiplicative Function] (em inglês). Weisstein, Eric W. "Completely Multiplicative Function." From MathWorld--A Wolfram Web Resource.
  • [Multiplicative Number Theoretic Function] (em inglês). Weisstein, Eric W. "Multiplicative Number Theoretic Function." From MathWorld--A Wolfram Web Resource.
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