Teorema fundamental da aritmética

O Teorema Fundamental da Aritmética sustenta que todos os números inteiros positivos maiores que 1[1] podem ser decompostos num produto de números primos, sendo esta decomposição única a menos de permutações dos fatores.

As proposições do Livro XII de Os Elementos de Euclides praticamente demonstraram este teorema que também foi exposto no Livro IX. O teorema só foi demonstrado e proposto por Carl Friedrich Gauss em 1796.

Livro VII de Os Elementos de Euclides

O Livro VII, com 39 proposições, é totalmente aritmético e estuda as propriedades dos números naturais e suas relações. Ele apresenta três proposições que motivaram o Teorema Fundamental da Aritmética:

Proposição VII-30:

"Caso dois números, sendo multiplicados entre si, façam algum, e algum número primo meça o produzido deles, medirá também um dos do princípio."

Demonstração de "Os Elementos"

"Façam, pois, dos dois números A, B, sendo multiplicados entre si, o C, e algum número primo, o D, meça o C; diga que o D mede um dos A, B. Não meça, pois, o A; e o D é primo, portanto, os A, D são primos entre si. E tantas vezes o D mede o C, quantas unidades no E, portanto o D, tendo multiplicado o E, fez o C. Mas, certamente, também o A, tendo multiplicado o B, fez o C; portanto, os dois D, E é igual aos dois A, B. Portanto, como D está para A, assim o B para o E. E os D, A são primos, e os primos são também os menores, e os menores medem os que têm as a mesma razão, o mesmo número de vezes, tanto o maior, o maior quanto o menos, o menos, isto é, tanto o antecedente, o antecedente quanto o consequente, o consequente; portanto, o D mede o B. Do mesmo modo, então, provaremos que também, caso não meça o B, medirá o A. Portanto, o D mede um dos A, B; o que era preciso prova."

Proposição VII-31

"Todo número composto é medido por algum número primo."

Demonstração de "Os Elementos"

"Seja o número composto A; digo que o A é medido por algum número primo. Pois, como o A é composto, algum número o medirá. Meça, e seja o B. E se, por um lado, o B é primo, o prescrito aconteceria. Se, por outro lado, é composto, algum número o medirá. Meça, e seja o C. E como o C mede o B, e o B mede o A, portanto também o C mede o A. E se, por um lado, o C é primo, o prescrito aconteceria. Se, por outro lado é composto, outro número o medirá. Sendo então produzida uma investigação como essa, algum número primo será tomado, que medirá. Pois, se não for tomado, ilimitados números medirão o A, cada um dos quais é menor do que o outro; o que é impossível nos números. Portanto, algum número primo será tomado, que medirá o antes dele mesmo, que também medirá o A. Portanto, todo número composto é medido por algum número primo o que era preciso prova."

Proposição VII-32

"Todo número ou é primo ou é medido por algum primo."

Demonstração de "Os Elementos"

"Seja o número A; digo que o A ou é primo ou é medido por algum número primo. Se, por um lado, o A é primo, o prescrito aconteceria. Se, por outro lado, é composto, algum número primo o medirá. Portanto, todo número ou é primo ou é medido por algum número primo; o que era preciso prova."

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Demonstração do Teorema Fundamental da Aritmética

Teorema

Seja a > 1 {\displaystyle a>1} um inteiro positivo. Então, existem primos positivos p 1 p 2 . . . p t {\displaystyle {p_{1}}\leq {p_{2}}\leq {...}\leq {p_{t}}} tais que a = p 1 p 2 . . . p t , {\displaystyle a=p_{1}p_{2}...p_{t},} e essa decomposição é única.

Demonstração:

Existência de uma decomposição

Será usado para esta demonstração o Princípio de indução completa.

Para a = 2 {\displaystyle a=2} existe uma decomposição trivial em números primos, já que 2 é, ele próprio, um número primo. Suponhamos agora que existe uma decomposição para todo inteiro b ,   2 b < a . {\displaystyle {b},\ {2}\leq {b}<a.} Mostraremos que também vale para a . {\displaystyle a.}

Se a {\displaystyle a} é primo, admite a decomposição trivial. Caso contrário, a {\displaystyle a} admite um divisor positivo b {\displaystyle b} tal que 1 < b < a . {\displaystyle 1<b<a.} Isto é, a = b c , {\displaystyle a=bc,} e temos também 1 < c < a . {\displaystyle 1<c<a.} Pela hipótese de indução, b {\displaystyle b} e c {\displaystyle c} podem ser escritos como produtos de primos, na forma b = p 1 . . . p s , {\displaystyle b=p_{1}...p_{s},} c = q 1 . . . q k . {\displaystyle c=q_{1}...q_{k}.}

Substituindo, temos a = p 1 . . . p s q 1 . . . q k , {\displaystyle a=p_{1}...p_{s}q_{1}...q_{k},} e o resultado também vale para a . {\displaystyle a.}

Unicidade da decomposição

Dado um inteiro a , {\displaystyle a,} ele poderia admitir, em princípio, mais de uma decomposição em produto de fatores primos. Será chamado comprimento de uma decomposição ao número de fatores que nela comparecem.

A demonstração será feita por indução no comprimento de uma decomposição de a . {\displaystyle a.}

Suponhamos que a {\displaystyle a} admita uma decomposição do tipo a = p 1 , {\displaystyle a=p_{1},} onde p 1 {\displaystyle p_{1}} é primo, e que vale

a = p 1 = q 1 q 2 . . . q s , {\displaystyle a=p_{1}=q_{1}q_{2}...q_{s},}

em que q 1 q 2 . . . q s {\displaystyle {q_{1}}\leq {q_{2}}\leq {...}\leq {q_{s}}} são primos positivos. Como q 1 {\displaystyle q_{1}} divide q 1 q 2 . . . q s , {\displaystyle q_{1}q_{2}...q_{s},} q 1 {\displaystyle q_{1}} também divide p 1 , {\displaystyle p_{1},} que é primo. Então, devemos ter p 1 = q 1 . {\displaystyle p_{1}=q_{1}.} Cancelando, vem 1 = q 2 . . . q s . {\displaystyle 1=q_{2}...q_{s}.} Se s > 1 , {\displaystyle s>1,} teríamos que o primo q 2 {\displaystyle q_{2}} seria invertível, uma contradição. Assim, s = 1 {\displaystyle s=1} e, como já provamos que p 1 = q 1 , {\displaystyle p_{1}=q_{1},} o primeiro passo de indução está verificado.

Suponhamos agora o resultado verdadeiro para todo inteiro que admita uma decomposição de comprimento k 1 , {\displaystyle {k}\geq {1},} e seja a {\displaystyle a} um inteiro com uma decomposição de comprimento k + 1. {\displaystyle k+1.} Se a {\displaystyle a} admitisse outra decomposição, temos

a = p 1 . . . p k + 1 = q 1 . . . q s , {\displaystyle a=p_{1}...p_{k+1}=q_{1}...q_{s},}

em que q 1 q 2 . . . q s {\displaystyle {q_{1}}\leq {q_{2}}\leq {...}\leq {q_{s}}} são primos positivos.

Como na primeira parte, q 1 {\displaystyle q_{1}} divide p 1 . . . p k + 1 {\displaystyle p_{1}...p_{k+1}} e temos que q 1 {\displaystyle q_{1}} divide p i , {\displaystyle p_{i},} para algum i {\displaystyle i} (Lema de Euclides). Como p i {\displaystyle p_{i}} é primo, devemos ter novamente que q 1 = p i . {\displaystyle q_{1}=p_{i}.} Em particular, q 1 p 1 . {\displaystyle {q_{1}}\geq {p_{1}}.}

De forma análoga, pode-se obter que p 1 = q j , {\displaystyle p_{1}=q_{j},} para algum j. Logo, p 1 q 1 . {\displaystyle {p_{1}}\geq {q_{1}}.} De ambas as desigualdades, vem que p 1 = q 1 . {\displaystyle p_{1}=q_{1}.} Finalmente, cancelando em a = p 1 . . . p k + 1 = q 1 . . . q s , {\displaystyle a=p_{1}...p_{k+1}=q_{1}...q_{s},} temos que

p 2 . . . p k + 1 = q 2 . . . q s . {\displaystyle p_{2}...p_{k+1}=q_{2}...q_{s}.}

Agora, o primeiro membro da igualdade tem uma decomposição de comprimento k , {\displaystyle k,} logo, da hipótese de indução, admite uma única decomposição. Assim, temos k = s 1 , {\displaystyle k=s-1,} donde k + 1 = s {\displaystyle k+1=s} e p i = q i , {\displaystyle p_{i}=q_{i},} para i = 2 , . . . , k + 1. {\displaystyle i=2,...,k+1.} Como já provamos que p 1 = q 1 , {\displaystyle p_{1}=q_{1},} ambas as expressões de a {\displaystyle a} coincidem.

Agrupando os primos eventualmente repetidos na decomposição de a , {\displaystyle a,} podemos enunciar o teorema anterior de forma levemente diferente. Também podemos estendê-lo a números negativos.

Teorema Fundamental da Aritmética

Seja a {\displaystyle a} um inteiro diferente de 0, 1 e -1. Então, existem primos positivos p 1 < p 2 < . . . < p r {\displaystyle p_{1}<p_{2}<...<p_{r}} e inteiros positivos n 1 , n 2 , . . . , n r {\displaystyle n_{1},n_{2},...,n_{r}} tais que a = ± p 1 n 1 . . . p r n r . {\displaystyle a=\pm p_{1}^{n_{1}}...p_{r}^{n_{r}}.} Além disso, essa decomposição é única.

Demonstração:

Temos que a = ± | a | , {\displaystyle a=\pm |a|,} conforme a {\displaystyle a} seja positivo ou negativo. Como | a | {\displaystyle |a|} é positivo, do teorema anterior, temos que existem primos p 1 p 2 . . . p t {\displaystyle {p_{1}}\leq {p_{2}}\leq {...}\leq {p_{t}}} tais que

a = ± p 1 p 2 . . . p t . {\displaystyle a=\pm p_{1}p_{2}...p_{t}.}

Agrupando os primos eventualmente repetidos, podemos escrever

a = ± p 1 n 1 . . . p r n r . {\displaystyle a=\pm p_{1}^{n_{1}}...p_{r}^{n_{r}}.}

A unicidade segue diretamente do teorema anterior.

Está, portanto, demonstrado o Teorema Fundamental da Aritmética.

Ver também

Notas

  1. Utilizando produto vazios não é preciso excluir o número 1, e o teorema pode ser expresso como: todo inteiro positivo tem uma única fatoração como produto de primos.

Referências

  • Milies, Francisco César Polcino. Números: Uma Introdução à Matemática. 3 ed. São Paulo: Editora da USP, 2003.
  • Garbi, Gilberto Geraldo. A Rainha das Ciências: Um passeio histórico pela maravilhoso mundo da matemática. 3 ed. rev e ampl. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2009.
  • Euclides. Os Elementos. 1 ed. São Paulo: Editora Unesp,2009.
  • v
  • d
  • e
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